quinta-feira, 31 de março de 2011

Entre a Intenção e o Ato – Uma Análise da Política de Contratualização dos Hospitais de Ensino (2004-2010)


Entre a Intenção e o Ato – Uma Análise da Política de Contratualização dos Hospitais de Ensino (2004-2010)
retirado da Domingueira nº 260 de Gilson Carvalho

Artur Chioro, Secretário de Saúde de São Bernardo do Campo(SP), apresentará no próximo dia 17 a sua tese ”ENTRE A INTENÇÃO E O ATO: Uma análise da política de contratualização dos hospitais de ensino (2004 – 2011)”. O autor ocupou a diretoria de atenção especializada do Ministério da Saúde no período de 2003-2005.



Introdução: o Programa de Reestruturação dos Hospitais de Ensino, que compreende a certificação e contratualização desses estabelecimentos, implantado em 2004 pelo Governo Federal, é uma das estratégias para o enfrentamento da crise do setor, ao estabelecer novos modos de financiamento, de gestão e de articulação desses hospitais com o sistema de saúde,mediante contrato de gestão com o gestor local do SUS.

Metodologia: o estudo foi realizado em quatro hospitais pertencentes ao primeiro grupo contratualizado já em 2004, de diferentes regimes jurídicos, selecionados por sorteio. Teve como motivação inicial analisar possíveis mudanças decorrentes dessa política governamental no cotidiano dos hospitais de ensino,procurando caracterizar o posicionamento dos diferentes atores institucionais frente a ela, o protagonismo dos gestores e as dificuldades na sua implementação. Para tanto, foram realizadas análise documental e 32 entrevistas envolvendo dirigentes hospitalares, gestores do SUS e dos ministérios responsáveis pela formulação e condução da política de contratualização. Análise de implicação: na condução do estudo, a implicação do autor (que coordenou o processo de formulação e implementação inicial da política ) com o objeto em estudo é tratada de forma explícita. O desafio metodológico central foi conseguir um “deslocamento epistemológico” da posição de sujeito em situação de governo ocupado no passado para a de sujeito epistêmico, tratando de forma explícita essa “relação-contaminação”, e procurado construir “relações alteritárias” que possibilitassem compreendera contratualização sob a perspectiva dos atores responsáveis pela sua efetiva implementação.Análise dos dados: a partir da construção de categorias empíricas -espelho (por simplesmente “refletirem” elementos contidos na grade avaliativa da política), e categorias-novidade(constituída por aspectos não previstos na formulação original da política), foram montadas equações para cada hospital, compostas sempre pelas mesmas categorias, mas denotando-se as intensidades distintas que iam assumindo, bem como as diferentes forças de ligação entre elas.
A análise foi efetuada em três planos analíticos distintos. O primeiro contém uma caracterização de mudanças ocorridas a partir da contratualização, tomando-se como referência as diretrizes da política para a assistência, gestão, educação em saúde e avaliação e incorporação tecnológica. No segundo, são analisadas as apostas que estiveram implícitas na formulação da contratualização, buscando aí indicações sobre suas bases teórico-conceituais não explícitas. No terceiro, já em nível maior de abstração, desenvolve-se uma reflexão teórica sobre o tema da razão e racionalidade na modernidade, buscando conexões com a racionalidade instrumental presente no paradigma estrutural-funcionalista hegemônico nos estudos e intervenções organizacionais, e, como apontado pelo estudo, na própria formulação da política de contratualização dos hospitais de ensino.
Resultados: No primeiro plano analítico, a face mais visível dos avanços proporcionados pela contratualização foi a mudança no perfil de financiamento, resultando em equilíbrio econômico-financeiro e o enfrentamento do endividamento, embora com intensidades e reflexos distintos para os hospitais estudados.No entanto, diretrizes para o ensino, educação permanente, pesquisa e incorporação tecnológica, fundamentais para a produção do novo hospital de ensino, foram finalidades claramente “esquecidas” na implementação da política, que também não foi capaz de proporcionar mudanças consideráveis em relação à qualificação da gestão e da assistência.Num segundo plano analítico, é feita a análise das apostas implícitas da política e seus diferentes graus de realização. A expectativa de indução de uma nova racionalidade gerencial a partir de uma política governamental, ao subestimar a complexidade da micropolítica dos hospitais de ensino, não se concretizou. Os arranjos de participação idealizados, fortemente inspirados na produção de autores que enfatizam a necessidade de “constituição de sujeitos coletivos”, através da horizontalização e democratização das relações entre trabalhadores,usuários e gestores, encontram dificuldades em sua operacionalização, não alcançando produzir uma nova lógica de gestão dos hospitais de ensino. Assim, a política de contratualização termina por reproduzir o comportamento conservador que caracteriza a gestão pública, uma racionalidade instrumental que dá ênfase ao ato administrativo e à normatização excessiva. No terceiro plano analítico, é feita uma discussão teórica sobre o conceito de razão na modernidade, em particular do que tem sido denominado, desde Max Weber, como a “crescente racionalização da sociedade”. É em tal moldura teórico-conceitual que se busca inteligibilidade para o que tem sido denominado de racionalização crescente das práticas médico-hospitalares, caracterizada pelo ideal de funcionamento de hospitais “científicos”, eficientes, previsíveis e, parametrizados pelo mercado e seus critérios de competição e sobrevivência. Este novo “hospital racionalizado” traduz o “hospital dos sonhos”de todos os dirigentes entrevistados, seja no setor público ou privado que, de modo surpreendente, identificam, em boa medida, como sendo o hospital desejado pela política de contratualização! Tudo isso nos alerta para a complexidade inerente à formulação de políticas governamentais, em particular o momento de sua implementação por atores em suas condições concretas de atuação. Impõe-se como pauta, portanto, estudos e intervenções que possam disputar outros sentidos para a gestão hospitalar, que não sejam aqueles moldados pela racionalidade instrumental que vai se estabelecendo como a única e triunfante racionalidade possível, colocando em tela o enfrentamento teórico e político da acachapante funcionalização e homogenização dos modos de se fazer a gestão e sua verdade única.Voltando ao início: conclui-se o estudo com reflexões do autor que, já no final do estudo, e por circunstâncias políticas e profissionais, deparou-se com novo deslocamento, desta vez para a posição de gestor local do SUS, ao ser o responsável por implementar em ato a política de contratualização em hospitais de ensino da cidade.

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