domingo, 5 de setembro de 2010

A Religião Segundo d'Holbach

A Religião Segundo d'Holbach
[Um dos Mestres dos Himalaias, em "Cartas dos Mahatmas Para A. P. Sinnett"]
Os problemas de convivência humana em lugares como Israel, Palestina, Iraque e Afeganistão - assim como a decadência ética e ecológica da civilização cristã como um todo - indicam claramente pelo menos uma coisa: o filósofo francês Paul Henri Thiry, o barão d'Holbach (1723-1789), tem algo de grande importância a dizer para os habitantes do século 21. D'Holbach foi um dos principais enciclopedistas franceses do século 18. Em sua casa, em Paris, se reuniam alguns dos maiores filósofos do iluminismo. Vale a pena examinar o seu pensamento. D'Holbach questionava a existência de Deus, e neste sentido ele era um ateu. Porém devemos lembrar que as religiões filosóficas, como o taoísmo e o budismo, tampouco trabalham com o conceito de Deus. D'Holbach era considerado materialista, porque afirmava que existe uma identidade fundamental entre matéria e espírito. Mas nisso ele também não estava só. A identidade fundamental entre espírito e matéria é um dos princípios e axiomas centrais da filosofia esotérica original. Em que contexto viveu e escreveu d'Holbach? Como era a segunda metade do século 18? O clero cristão ignorava a filosofia não-violenta do Jesus do Novo Testamento para justificar e abençoar em todo o mundo a escravidão dos negros, o massacre das tribos indígenas, a miséria dos trabalhadores, a violência contra os judeus, os abusos do colonialismo e as guerras nacionalistas. Na França, o povo passava fome. O clero católico e a nobreza negavam todo direito humano. A sangrenta revolução de 1789 não surgiu por acaso.
É preciso admitir que o cristianismo protestante da Inglaterra nunca caiu ao nível do catolicismo jesuítico. No país de Shakespeare, assim como em suas colônias e ex-colônias, sempre houve muito mais ética e tolerância que nos países que sofriam a influência direta do Vaticano. Isso explica a vantagem histórica dos Estados Unidos em relação a outros países das Américas. Naquela ex-colônia, a influência católica era pequena. Isso possibilitou uma admirável liberdade e diversidade religiosa. Com a exceção da Inglaterra e da sua área de influência direta, a teocracia do Vaticano era perigosamente dominante. A ordem dos jesuítas promovia conspirações mortais contra reis. Ela usava métodos brutais de espionagem. Seus crimes provocavam revolta. Quando o carma do abuso amadureceu, a Ordem dos jesuítas passou a ser fechada em um país depois do outro, e por fim foi extinta oficialmente em todo o mundo pelo próprio Vaticano. No território luso-brasileiro, a administração do Marquês de Pombal marcou ao mesmo tempo a época do Iluminismo e a desgraça dos jesuítas. A Companhia de Jesus só foi reaberta várias décadas depois, já no século 19. Do ponto de vista da doutrina esotérica dos ciclos, foi na última quarta parte do século 18 que começou a transição para a era de Aquário. A revolução francesa de 1789 proclamou ao mundo os ideais tipicamente aquarianos de Liberdade, Igualdade e Fraternidade. É compreensível, pois, que naquele momento histórico o livre-pensamento dos iluministas franceses desmistificasse a velha ideia medieval de um deus monoteísta, pessoal, manipulador, que abençoa guerras sangrentas e em nome do qual os cristãos ficam autorizados a mentir e matar.

A história humana avança em espiral. O Iluminismo do século 18 avançou até certo ponto. Cem anos depois dos enciclopedistas, o questionamento da ilusão monoteísta foi retomado fortemente por Helena Blavatsky e seus colaboradores a partir de 1875. O objetivo era libertar o pensamento ocidental das superstições da idade média, e o esforço acontecia sob a orientação direta de dois ou três raja-iogues dos Himalaias, conforme está amplamente documentado na literatura teosófica original. Não é por acaso que, ao comentar no final do século 19 a ideia de um deus monoteísta, um destes Mestres mencionava o barão d'Holbach.
O instrutor escreveu:
"O Deus dos teólogos é simplesmente um poder imaginário, un loup garou [um bicho-papão], na expressão de d'Holbach. Nossa principal meta é libertar a humanidade deste pesadelo, ensinar ao homem a virtude pelo bem da virtude, e ensiná-lo a caminhar pela vida confiando em si mesmo, ao invés de depender de uma muleta teológica que por eras incontáveis foi a causa direta de quase toda a miséria humana". [1]
O deus dos teólogos é portanto uma muleta e um pesadelo. Uma das metas do movimento teosófico é mostrar claramente este fato à humanidade.
Em outra ocasião, o Mestre afirma : "Estranhamente, descobri um escritor europeu - o maior materialista em sua época, o barão d'Holbach - cujos pontos de vista coincidem inteiramente com os da nossa filosofia. Ao ler o seu Sistème de la Nature, eu poderia ter imaginado que tinha o nosso livro de Kiu-te diante de mim". [2]
Estas enfáticas afirmações do Mestre não deixam lugar a dúvida. Considerando que o livro de Kiu-te está fora do alcance do público e só é conhecido em parte e indiretamente mesmo pelos estudantes mais sérios de teosofia, a conclusão natural é que o pensamento de d'Holbach deve ser reconhecido como pelo menos muito importante para os que se interessam pela filosofia esotérica. No entanto, d'Holbach é ainda hoje quase completamente desconhecido. Como um pequeno estímulo e um primeiro passo na direção de preencher esta lacuna, traduzimos a seguir sete fragmentos expressivos da obra deste pensador. [3] As referências bibliográficas específicas vão ao final de cada trecho. Os subtítulos são nossos. Diz o barão d'Holbach:

1. Religião e Apego
* Na maior parte dos casos, os homens só se apegam à sua religião por hábito. Eles jamais examinam seriamente as razões pelas quais adotaram sua religião, nem os motivos da sua conduta, nem os fundamentos das suas opiniões. Desde modo, a coisa que eles consideram mais importante para eles tem sido sempre aquilo que eles mais temem aprofundar. Eles seguem o caminho que seus pais traçaram para eles. Eles crêem porque na infância lhes disseram que é necessário crer; eles têm esperança porque seus ancestrais tiveram esperança; eles tremem porque os seus antecessores tremeram; eles quase nunca se dignam a dar-se conta dos motivos da sua crença. […..] É assim que as opiniões religiosas, uma vez adotadas, se mantêm durante uma longa sequência de séculos. É assim que, era após era, os povos retransmitem ideias que jamais foram examinadas. Eles crêem que a sua felicidade está ligada a instituições que, se forem examinadas mais de perto, se revelarão como a fonte da maior parte dos seus males. A autoridade ainda vem em ajuda dos preconceitos dos homens; ela lhes impede de fazer o exame; ela os força à ignorância; ela está sempre disposta a punir todo aquele que tentar rejeitar a ilusão. […..] No entanto, nós encontramos em todos os séculos homens que, livres dos preconceitos dos seus co-cidadãos, ousaram mostrar a verdade. Mas o que pode a sua voz fraca contra os erros que são absorvidos desde a primeira infância, confirmados pelo hábito, autorizados pelo exemplo, e fortalecidos por uma política que é frequentemente cúmplice da sua própria ruína? As vozes imponentes da impostura reduzem logo ao silêncio aqueles que querem protestar em nome da razão. [ Da obra "Le Christianisme Dévoilé" (1761), edição de Londres, 1776, pp. 2-6. Foi confirmada por nós a citação na edição inglesa "Christianity Unveiled", Baron d'Holbach, Hodgson Press, Great Britain, 518 pp., 2008, pp. 15-19.]
2. Superstição e Maus Hábitos
* É nos países em que a superstição tem mais poder que nós encontramos sempre os piores hábitos. A virtude é incompatível com a ignorância, a superstição, o escravismo. [...] Para a formação dos homens, para que se tenha cidadãos virtuosos, é preciso instruí-los, mostrar-lhes a verdade, falar-lhes através da razão, fazer com que sintam os seus interesses, para que aprendam a respeitar a si mesmos e a ter medo da vergonha. É preciso estimular neles a ideia de uma verdadeira honra, fazer com que conheçam o prêmio da virtude e os motivos de praticá-la. Como aprender estes efeitos da felicidade através de uma religião que os degrada, ou da tirania que busca apenas amansá-los, dividi-los, e mantê-los na indignidade? [Da obra "Le Système de la Nature", edição Ledoux, 1821, volume 2, p. 352 .]
3. Religião Agressiva
* Uma religião cujos preceitos tendem a tornar os homens intolerantes, os reis perseguidores, e os súditos escravos ou rebeldes; uma religião cujos dogmas obscuros são motivo para eternas disputas; uma religião cujos princípios desencorajam os homens e os afastam da ideia de sonhar com seus verdadeiros interesses –; uma tal religião, digo eu, é destrutiva para o conjunto da sociedade. ["Le Christianisme Dévoilé" (1761), edição de Londres, 1776, p. 168.]
4. Os Crimes Autorizados por Deus
* Todas as religiões do mundo autorizaram crimes inomináveis. Os judeus, embriagados pelas promessas do seu Deus, atribuíram a si mesmos o direito de exterminar nações inteiras. Confiantes nos oráculos dos seus deuses, os romanos conquistaram e devastaram o mundo como verdadeiros assaltantes. Os árabes, encorajados por seu divino profeta, levaram o ferro e o fogo aos cristãos e aos idólatras. Os cristãos, sob o pretexto de divulgar sua santa religião, cobriram de sangue uma centena de vezes os dois hemisférios. ["Le Bon Sens du curé Meslier suivi de son Testament" (1772), edição Palais des thermes de Julien, p. 217.]


5. A Moral e as Virtudes
* Todas as virtudes que o cristianismo admira são exageradas e fanáticas, ou elas tendem apenas a tornar o homem tímido, indigno e infeliz ; se elas lhe dão coragem, ele se torna obstinado, altivo, cruel e nocivo à sociedade. É assim que ele deve ser, para corresponder à visão de uma religião que despreza a Terra, e que não vê problemas em trazer conflito a ela, para que o seu deus ciumento triunfe sobre os seus inimigos. Nenhuma moral verdadeira pode ser compatível com uma tal religião. ["Le Christianisme Dévoilé", obra citada, pp. 139-140.]
6. A Fonte da Ética
* Basta que os homens reflitam um pouco sobre o que eles são, sobre os seus verdadeiros interesses, sobre a meta da sociedade, para que sintam que eles têm deveres em relação uns aos outros. Boas leis são o suficiente para forçá-los a serem bons, e eles não têm necessidade de que alguém faça as regras descerem do céu, para a sua preservação e a sua felicidade. A razão é suficiente para que percebamos os nossos deveres em relação aos seres da nossa espécie. Em que ela pode ser ajudada pela religião, que a todo momento a contradiz e a degrada? ["Le Christianisme Dévoilé", obra citada, p. 98.]
7. Os Dois Pilares
* A ignorância e o medo; estes são os dois pilares de toda religião. [ "Le Bon Sens du curé Meslier suivi de son testament", primeira edição 1772, edição Palais des thermes de Julien, 1802, p. 37.]
Até aqui, o barão d'Holbach. É interessante comparar estas citações com uma das cartas mais importantes já recebidas dos Mahatmas. Diz o Mestre:
"É a crença em Deus e nos Deuses que faz de dois terços da humanidade escravos de um punhado daqueles que os enganam com o falso pretexto de salvá-los. O homem não está sempre pronto a cometer qualquer tipo de maldade se lhe disserem que seu Deus ou Deuses exigem o crime âˆ' vítima de um Deus ilusório, escravo abjeto de seus ministros astuciosos ? (.....) Durante dois mil anos a Índia gemeu sob o peso das castas, com os brâmanes engordando só a si mesmos com o melhor da terra, e hoje os seguidores de Cristo e Maomé estão cortando as gargantas uns dos outros em nome âˆ' e para maior glória âˆ' dos seus respectivos mitos. Lembre que a soma da miséria humana nunca será diminuída até aquele dia em que a parte melhor da humanidade destruir, em nome da verdade, da moralidade e da caridade universal, os altares dos seus falsos deuses." [4] Esta última frase constitui uma profecia significativa. É fácil perceber que a previsão do Mestre não só anuncia o futuro mas retoma - em um ciclo superior da espiral histórica - a mesma proposta básica dos enciclopedistas franceses. No início do século 21, mais de duzentos anos depois de d'Holbach, esta tarefa está por ser completada. A libertação do espírito humano será indispensável - se quisermos que se abra em nosso século o espaço necessário para a religião do futuro.

Um comentário:

  1. "O homem que não conhece a história, corre o risco de cometer os mesmos erros do passado".
    Gostei muito da sua postagem, de maneira simples, clara e objetiva o texto é enriquecer e informativo.
    Obrigada pela sua visita e seja mto bem vinda sempre.
    Um abraço

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